Regras de transparência em investimentos entram em nova fase - Monte Bravo

Regras de transparência em investimentos entram em nova fase

04/11/2024 às 14:46

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Regras de transparência: cliente passará a conhecer o custo da intermediação; barateamento de comissões e consolidação são alguns efeitos esperados

Regras de transferência em investimentos entra em nossa fase

Um médico examina o paciente e dá o diagnóstico: “Você não sabe, mas pegou COE”. A provocação, referência aos opacos certificados de operações estruturadas (COEs), é parte do conteúdo de uma campanha da Warren que começa a ser veiculada nesta semana. Esta e outras peças marcam a entrada em vigor das regras de transparência na cadeia de distribuição de investimentos previstas na resolução 179, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A partir de 1º de novembro vai ficar claro para o cliente quanto os intermediários ganham pela venda de produtos como fundos, títulos de crédito e outros valores mobiliários.

Um primeiro efeito esperado é que o investidor vai ter mais clareza de que o serviço de assessoria é cobrado. Outra consequência pode ser o maior uso do modelo fiduciário, em que o cliente paga uma taxa fixa (“fee based”) pelo aconselhamento, em lugar do tradicional dominante, em que a remuneração vem de diferentes tipos de comissões de emissores, corretoras e gestoras de recursos pagas a quem faz a oferta na ponta da distribuição.

Pelo texto da resolução 179, desde junho do ano passado os investidores já tinham acesso a uma descrição qualitativa de todas as formas de remuneração recebidas, direta ou indiretamente pelos assessores, além de incentivos que configurassem potenciais conflitos de interesse. O combo inclui percentuais de taxa de administração e performance em fundo, o spread (a diferença entre o custo de aquisição e de venda) de valores mobiliários, taxas de distribuição e aquelas relacionadas à conversão de moedas em investimentos ou resgate de ativos no exterior.

Agora, o investidor passa a ter conhecimento de quanto efetivamente paga por determinado produto na hora da aquisição, além do acesso a uma foto completa, trimestralmente, sobre os valores das comissões diretamente cobradas. A CVM deu algumas diretrizes e a autorregulação da Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos, buscou padronizar a forma como as informações serão divulgadas.

No tempo, há quem vislumbre o barateamento das comissões embutidas e que antes não eram visíveis, o aumento da competitividade e consolidação, com estruturas maiores de assessoria assumindo casas menores.

“Além de entender que, sim, tem um custo de distribuição, que o profissional é remunerado pela oferta de valores mobiliários, o investidor vai perceber que pode haver conflito de interesses”, diz Luciane Effting, vice-presidente do fórum de distribuição da Anbima. “Esperamos que o investidor se aproprie da informação disponível no momento da contratação. Vai agregar muito para a evolução da educação financeira e auxiliar na melhor tomada de decisão. Vai permitir também que avalie a qualidade da assessoria de investimento, em bancos ou corretoras.”

O mundo não vai mudar com a 179, mas “é um belo estopim para um mercado mais transparente, vai haver um alinhamento de astros”, diz Tito Gusmão, sócio-fundador e principal executivo (CEO) da Warren. “É claro que vai depender realmente do esforço de todos, a turma [a concorrência] pode ser bem criativa.”

Na plataforma, criada dez anos atrás pelo executivo ao lado de outros sócios capitalistas oriundos da XP, ele prega desde a origem o modelo de consultoria por taxa fixa. Cobra 0,9% ao ano, ou R$ 7,50 ao mês, para o cliente que acessa o canal digital; 0,8% sobre patrimônios entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão; 0,7% entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões, , com negociações caso a caso para valores acima disso. Para quem conta com assessoria financeira ou serviço de um planejador, o escritório parceiro coloca um adicional que vai ser a sua remuneração.

A construção do portfólio se dá por diferentes modelos de carteira, de acordo com o perfil e objetivos de vida financeira, com a opção de se fazer as mudanças manualmente, por conta própria, ou delegar para a gestão ativa da Warren. A casa devolve 100% das comissões de taxa de administração dos fundos de investimentos alocados, uma sistemática parecida com a das gestoras de fortunas, nos seus veículos exclusivos e carteiras administradas.

“O investimento é só uma parte do planejamento financeiro, carimbar na testa que o cliente é conservador, moderado ou arrojado a vida inteira é errado”, diz Gusmão. “Pode servir para o curto prazo, mas para o longuíssimo, a construção deve ser vista de outra forma. [A remuneração pela distribuição] deixar de ser transacional, é uma evolução do mercado porque eu [assessor, planejador] preciso entender a vida do cliente e colocá-lo nos melhores produtos.”

É quando o mercado vai mal e é mais difícil de fazer receitas, com o assessor ganhando menos, que o conflito fica mais evidente”
Filipe Portella

O executivo argumenta que também para o profissional é melhor porque ele passa a ter uma receita recorrente e, psicologicamente, é melhor do que “todo mês tentar girar a carteira para pagar as contas”, continua Gusmão.

Ele acrescenta que nas grandes plataformas de varejo, o incentivo acaba sendo ofertar o produto que paga o melhor rebate. Foi só a partir da 179, editada em fevereiro do ano passado, que a Warren passou a se aproximar dos escritórios de assessorias, os antigos agentes autônomos, tendo selado cinco acordos.

Com custos mais explícitos, o mercado se regula, diz Ana Leoni, presidente da Planejar, associação que agrega os planejadores financeiros com a certificação CFP no Brasil. Ela lembra que lá atrás, quando as corretoras começaram a expor a taxa de corretagem em bolsa numa guerra de preços, houve um movimento que levou à zeragem dessa tarifação, levando os intermediários a agregarem outros serviços.

“A tendência é o investidor conseguir mais parâmetros de escolha. Não significa que vai ser baseada só em preço. Se houver uma proposta clara de retorno e a gestão justifica, o investidor vai ter a percepção da entrega de valor.” Leoni também vislumbra um espaço para o modelo de gestão por taxa fixa avançar.

Apelidado de “cárcere privado do dinheiro” nos bastidores da supervisão de mercado, o COE passou a ser considerado um dos símbolos da falta de transparência na distribuição de investimentos. Com prazos longos e altas comissões cobradas na colocação, foi alvo de queixas de investidores contra assessorias e grandes distribuidores.

O custo desse ativo, um híbrido de emissão bancária e valor mobiliário porque sintetiza via derivativos alguma tese de investimento, varia de 5% a 7% porque toda a receita é trazida para o presente, depois o assessor não ganha nada no prazo de cinco a sete anos. Mas o dinheiro do investidor fica “preso” nesse período e nem sempre isso fica claro para quem está acostumado aos Certificados de Depósitos Bancários (CDB) com liquidez diária.

Os títulos de emissão bancária não entram no escopo da CVM, mas a autorregulação colocou como exceção todo tipo de COE, além das letras imobiliárias garantidas (LIG) e letras financeiras distribuídas por oferta pública.

Para ativos de crédito que tenham saída pelo mercado secundário, o que muitas vezes acaba acontecendo é a oferta do título longo num primeiro momento para ganhar a comissão e, no meio do caminho, indicação de venda para aplicar numa “nova oportunidade”. Com o giro, o assessor e a plataforma ao qual está ligado ganham mais uma vez.

Desde que a 179 foi editada, o que se viu entre algumas assessorias foi a adoção da taxa fixa. Na Monte Bravo – que recém começou a operar a sua corretora que tem a XP como minoritária – 30% da base de clientes já usa o modelo. E com a união com a Trafalgar Investimentos, anunciada na semana passada, o fee based tende a ganhar mais representatividade, diz o coCEO Filipe Portella. A transação adiciona R$ 7 bilhões em gestão de recursos e de fortunas, para R$ 47 bilhões sob o seu guarda-chuva.

O executivo lembra que nos Estados Unidos foi a partir da quebra do banco Lehman Brothers, em 2008, que a legislação mudou e passou a exigir mais transparência na oferta de produtos de investimentos de bancos e corretoras. “Isso fez os spreads cobrados diminuírem muito – é óbvio que se cobrava demais. O modelo transacional passou a proporcionar menor receita e o mercado acabou migrando para o fee based”, diz.

Com as receitas diminuindo, em 2013 e 2014 houve uma consolidação forte dos RIA [Registered Investment Advisor, o equivalente aos assessores independentes locais] porque os pequenos não conseguiram manter suas estruturas competitivas, prossegue Portella. “No Brasil, algo assim vai acontecer em breve. O fee based vai crescer, mas o investimento sozinho não paga a conta [dos escritórios] e os pequenos volumes, também não.”

A Monte Bravo, que contratou sob o regime CLT toda a sua base de assessores neste ano, vai seguir patrocinando o modelo de taxa fixa em 2025.

“Quando está tudo bem e o mercado está subindo, o alinhamento de interesse é mais claro. É quando vai mal e é mais difícil de fazer receitas, com o assessor ganhando menos, que o conflito fica mais evidente, especialmente nas menores”, afirma Portella.

Mas como corretora “light”, usando a retaguarda operacional e de custódia da XP, a parcela de comissionamento a ser devolvida para o cliente vai ficar restrita ao pedaço da Monte Bravo, não se estende à fatia da distribuição que cabe à sócia. A XP já tem tecnologia para o modelo de taxa fixa na sua rede de assessoria. O concorrente BTG Pactual prepara a infraestrutura para viabilizá-lo, segundo fonte a par do plano.

“É com muita humildade, a gente tem que reconhecer que está entrando num terreno desconhecido, porque não sabe como o cliente vai reagir a isso”, diz Rogério Calabria, superintendente de produtos de investimentos do Itaú Unibanco, ao se referir ao novo marco para a indústria de distribuição.

O executivo cita que a 179 conversa com outras legislações, como a do “Open Finance”, que permite ao cliente autorizar o compartilhamento de seus dados financeiros com a instituição que quiser, e com a portabilidade de investimentos, prevista pela CVM para 2025. “O mercado já é competitivo e vai ganhar mais competitividade pela alavanca da transparência.”

Ele acrescenta que o Itaú se preparou para atender a regulação na sua plenitude, tanto na jornada do investidor quanto na entrega dos extratos periódicos com a discriminação dos custos que ele paga por produto que adquiriu. “[A regra no mercado] vai levar a uma melhora na relação do assessor com seu cliente, e no tempo a carteira de investimento vai levar a uma melhora na relação do assessor com seu cliente, e no tempo a carteira de investimento vai ser mais saudável, menos sujeita ao giro deletério”, diz Calabria.

O modelo de remuneração por taxa fixa pode ganhar mais relevância no mercado, mas é ainda difícil de prever em que proporção, continua o executivo do Itaú, mas sempre vai ser o cliente quem vai escolher.

“A estrutura pode ser melhor para um tipo de cliente, mas pode ser pior também. Se ele gira pouco a carteira e investe num produto simples, pode ser ruim para ele”, afirma Calabria. “É usado com frequência maior para clientes do ‘private banking’, de multifamily office etc, mas pode ser que chegue ao varejo.” Se identificar demanda, o banco vai oferecer a opção, diz.

A disseminação do modelo de taxa fixa é bem-vindo no mundo das assessorias, mas não “é ‘a’ ou ‘b’ que é melhor ou pior, há uma certa imaturidade nessa discussão”, diz Francisco Amarante, superintendente da Associação Brasileira de Assessores de Investimentos (Abai). “A decisão sobre a forma de pagamento é do investidor e, como em qualquer atividade, , quanto mais flexibilidade o vendedor tem, mais chance de realizar o negócio.”

Ele alerta que não necessariamente o fee based vai ser vantajoso para o investidor. “Eu sou favorável ao híbrido, nem todo cliente é aderente ao fee based. Tem casa grande de investimento que defende 100% de consultoria e fee fixo, diz ‘cobramos 0,7% a 0,9% e devolvemos tudo’. Mas tem assessor hoje com 0,4% de ROA [retorno sobre o ativo], muito pelo perfil da carteira, com títulos do Tesouro e juros no Brasil. Operações de maior risco normalmente trazem melhor margem e hoje grande parte das carteiras está sem muito risco, o ROA médio está mais baixo.”

Confira a reportagem no portal do Valor Econômico.

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