
Alexandre Mathias vê o Brasil em “ambiente inflacionário”, ainda que o ano tenha iniciado com o dólar baixando a R$ 5,70 depois de ultrapassar R$ 6,25. Para o economista, o estopim é de 2024, mas o impacto na economia real – que inclui atividade econômica e emprego – será sentido neste ano. Mathias esteve em Porto Alegre para participar de palestra para convidados, quando conversou com a coluna.

Estrategista-chefe da corretora de investimentos gaúcha Monte Bravo, mestre em economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV)
Por que houve melhora no dólar neste início de ano?
E preciso lembrar que o câmbio fechou 2023 perto de R$ 4, 80. No primeiro semestre do ano passado, oscilou entre R$4, 80 e R$ 5, 20, até o momento em que o governo mudou as metas do arcabouço fiscal (abril de 2024). Quando há âncora fiscal crível e boa, o efeito da turbulência global chega reduzido. Quando é frágil, o efeito da turbulência global chega amplificado.
No final do ano, o pacote fiscal veio com uma medida de corte de impostos e acentuou a perda de credibilidade. Ainda tivemos um final de ano que é sazonalmente ruim para o câmbio e o início do governo Trump, que assustou todo mundo com as tarifas.
Houve saída de capitais no mundo inteiro, e o Brasil estava mais frágil. Por outro lado, o Banco Central inundou o mercado de dólares. E Trump agora parece mais pragmático e menos radical. O dólar está voltando globalmente. No Brasil, pegamos a maré, com o mercado de câmbio abastecido, em um período sem notícias fiscais, o que fez câmbio voltar a R$ 5, 70.
Para onde vai a maré?
A gente deve voltar a ter períodos de pressão por causa do risco-país. O presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) já disse que não deve haver ajuste fiscal adicional, e o país vai ter um salto na dívida. O presidente Lula assumiu com 71,7% do PIB de dívida e deve entregar com 87%, uma trajetória explosiva. E o governo não está dando sinais de ajuste. Nesse ambiente, em algum momento o câmbio vai passar de R$ 6 de novo. A nossa projeção para o final do ano é um câmbio de R$ 6,50.
Um Trump mais pragmático estava no radar?
Sempre hesitamos em acreditar que Trump faria política muito inflacionária. Mas tudo que diz respeito a Trump deve ser deixado em aberto, é um personagem errático. Em tese, não é do interesse do presidente dos EUA fazer política que tenha custo de popularidade elevado, como uma política inflacionária.
Quando Lula disse que não haverá novas medidas fiscais neste ano, por que o mercado pareceu ter ignorado?
No segundo semestre do ano passado, o governo cometeu vários erros de política econômica e de comunicação. A entrevista e a chegada do Sidônio (Palmeira, ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República) contribuíram para uma postura que ajuda a coordenar expectativas. Agora, o que já é uma estratégia de eleição é a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil.
Terá custo importante, e há dúvida sobre medidas de compensação. O ruim do cenário fiscal é que há desafios que podem ser neutros ou negativos, mas não positivos. Se tudo ocorrer como esperado, é mais do mesmo. Se algo sair do roteiro, terá piora, o que achamos que vai acontecer.
Até quanto vai a Selic?
Precisa subir o juro para perto de 15%. Se é 14, 75%, 15% ou 15, 25%, é quase uma preferência subjetiva. Fato concreto é que o ambiente é todo inflacionário, dada a desancoragem das expectativas, a projeção de câmbio, a força da economia e as medidas fiscais. Para levar a inflação à meta no horizonte que o BC deveria atuar, a Selic teria de subir mais.
Está com toda a cara de que vai fazer isso em horizonte mais longo. Não vou dizer que terá custo de credibilidade, mas será uma âncora monetária menos potente, e a inflação vai ficar acimada meta por mais tempo. À nossa projeção é de 7% de IPCA neste ano e não chega à meta nem em 2026, fica em 5, 20%.
Como a projeção de desaceleração da atividade confronta com a previsão de inflação?
Estamos esperando desaceleração de 1, 6% em 2025. Na prática, significa crescimento quase zero trimestre a trimestre. Do ponto de vista de inflação, estamos com um hiato muito aberto (crescimento acima do potencial, que estimula a inflação), o crescimento desacelera e vem para perto do potencial. Ainda não está desinflacionando, só não vai acrescentar mais inflação. A desaceleração é insuficiente para levar a inflação para a meta.
€ Recessão ou desaceleração? A economia não vai crescer de maneira sustentável, vai crescer de forma ruim. E uma característica do mix de política econômica que estamos vivendo. Tem muito estímulo para consumo, e a oferta não cresce o suficiente. Para equilibrar, teria de reduzir o fiscal, abrir espaço para investimento privado, permitir queda de juro. Não é o que está sendo construído. Vamos ter dois anos de uma economia que vai viver as consequências de desequilíbrios do ponto de vista fiscal.
Qual o nível de exposição a incertezas globais?
Não adotamos atuação precaucional, que seria fazer um ajuste fiscal mais potente para proteger a economia. Estamos expostos. Mas, embora Trump seja um personagem errático, o que realmente preocuparia do ponto de vista da economia brasileira seria um cenário em que a inflação subisse lá e obrigasse uma alta de juro. Não é o cenário que temos. O cenário global é marginalmente benigno, um pouco melhor do que está agora.
Houve contraste entre economia real e indicadores financeiros em 2024. O que prevê para 2025?
Em 2024, houve flexibilização das metas do arcabouço fiscal, aprovada meses antes. Ninguém poderia imaginar. Com a mudança, houve alteração importante nos preços dos ativos, que reagem com base nas expectativas muito rapidamente, em dois, três meses.
A economia real, por outro lado, tem grande inércia. Crescemos muito em 2023 e em 2024 por causa do arcabouço, mas o mercado financeiro teve de processar uma mudança radical da política fiscal que implicou na elevação derrisco.
Para 2025, o mercado já processou, os ativos financeiros já incorporaram o nível de risco mais alto. Agora, a economia real, que reage mais lentamente, vai sofrer os danos das escolhas fiscais malfeitas. Vamos ter desaceleração importante, inflação alta, desemprego maior e consequentemente queda da popularidade. E não é questão de comunicação, mas de escolhas feitas em nível de risco elevado. ==
Entrevista publicada no jornal Zero Hora.