A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2023 em 4,62%, voltando a ficar dentro do intervalo de tolerância da meta depois de dois anos acima do teto.
Em 2023, comemoramos 25 anos do regime de metas de inflação no Brasil. O IPCA acumulado neste período foi de 364,5%. Para quem se assustou, é bom lembrar que nos 18 anteriores à implementação das metas o IPCA acumulou estarrecedores 19.147.435.818.399,8%!
Desde 1999, quando o Brasil adotou o regime, foram 19 anos com o IPCA acima da meta e apenas seis anos abaixo da meta. O IPCA superou o teto em 2001, 2002, 2003, 2015, 2021 e 2022, acumulando um desvio além do teto de 23,1%. Mas ficou abaixo do piso apenas em 2017, com um desvio de 0,05%.
A média anual do IPCA desde 1999 é de 6,3%, enquanto a inflação média nos Estados Unidos — medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (CPI) — foi de 3,6%. É interessante notar que nos três anos fechados em 2023, ou seja, desde a pandemia, o IPCA médio foi de 6,8% frente a uma média de 5,6% do CPI nos EUA. Isto indica que nosso diferencial de inflação contra os países desenvolvidos tem caído.
Mas a manutenção da estabilidade de preços requer o apoio da política fiscal. Não há política monetária eficiente sem uma política fiscal crível. A percepção de que a dívida evoluirá sob controle é fundamental pois, caso contrário, a nossa história aponta para a monetização inflacionária da dívida.
O risco fiscal cresceu com a mudança das metas do arcabouço e diante da dificuldade de obter as receitas necessárias. Com isso, a âncora fiscal para uma dívida que é cara, curta e crescente se fragilizou. O aumento da percepção de risco elevou o dólar e as expectativas de inflação, reduzindo o espaço dos cortes — o que piora a perspectiva de crescimento da economia.
De 2010 a 2015, o Brasil adotou uma política fiscal expansionista e contou com um Banco Central leniente que não atuou frente ao aumento das expectativas e deixou a inflação subir para 10,7% em 2015.
A elevação do risco fiscal empurrou o dólar para cima, deteriorou as expectativas de inflação e a própria inflação, resultando em juros de mercados mais altos, mesmo com o BC mantendo uma Selic baixa. O resultado da “Nova Matriz Econômica” foi a maior recessão da história desse país — a única 100% Made In Brazil, gerada sem o gatilho de uma crise externa.
A compreensão deste sequenciamento é essencial. O dólar reage à percepção de risco, sobretudo fiscal e as expectativas — dado o hiato do produto — influenciam a inflação que, por sua vez, limita o espaço para o BC atuar.
A fragilização da âncora fiscal, na esteira da mudança das metas do arcabouço elevou o prêmio de risco e exacerbou o risco de desancoragem. Isto gerou a percepção de que uma ala do governo contempla caminhar numa dinâmica similar ao ciclo de 2010-15, com fiscal em expansão e a inflação subindo sem uma reação do BC.
Este risco contaminou a taxa de câmbio, de maneira até surpreendente para um país que tem superávit comercial da ordem de US$ 100 bilhões. Um quadro que implica em viés de alta para o IPCA, mesmo desconsiderando os efeitos da tragédia no Rio Grande do Sul.
Nossas projeções apontam para um IPCA de 4,25% em 2024, ligeiramente abaixo do teto de 4,5%. E as estimativas do mercado, hoje em 3,90%, também estão em alta. Além disso, o impulso fiscal pressiona a demanda enquanto a insegurança jurídica atrapalha os investimentos e, pior de tudo, o cenário de consolidação fiscal ficou incerto.
Nesse contexto, a opção pela interrupção do ciclo de queda da Selic, mantendo a taxa em 10,50% a.a., parece recomendável para quem busca a meta de 3%.
Por fim, é fundamental que o compromisso com o arcabouço fiscal seja reafirmado como uma política de governo, impedindo que se dissemine a noção de que a Fazenda está isolada e enfraquecida nesta batalha fundamental.
Com a economia crescendo em torno do potencial, a inflação sob controle e o cenário melhorando lá fora; precisamos de um choque de credibilidade fiscal que proporcione a queda do risco, do dólar e das expectativas de inflação para que seja possível voltar a reduzir a Selic em 2025 com consistência.
Alexandre Mathias é estrategista-chefe da Monte Bravo Corretora. Em 1998, defendeu a dissertação: “Metas de Inflação: uma nova abordagem para a política monetária” na FGV, o 1º trabalho acadêmico sobre o tema no Brasil.
O Artigo de opinião foi publicado no Valor Econômico.