O dólar à vista subiu nesta terça-feira ao maior nível desde 6 de agosto, numa soma de fatores locais e externos que resultaram em pressão cambial. Internamente, depois do otimismo com o lançamento de um pacote de contenção de gastos após a eleição municipal dominar as atenções ontem, o investidor hoje ficou sensível a detalhes da proposta, ainda em gestação pelo governo. A visão que emergiu é a de que as ações podem ser apenas um apanhado do já anunciado, o que teria pouca efetividade para conter o aumento das despesas.
No fim da tarde, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, foi assertiva ao falar sobre a agenda de corte de despesas, mas confirmou que o que está sendo pensado “é algo bem menor”. Do exterior, a baixa forte do petróleo já incomodava os agentes. Mas o gatilho adicional da piora veio de falas do candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, reforçando o protecionismo caso seja eleito em novembro.
Assim, o dólar à vista subiu aos R$ 5,6570 (+1,33%). Com a subida forte do câmbio, os juros futuros reverteram o movimento visto cedo e tiveram alta. No segmento de ações, o Ibovespa acabou sendo ajudado por bancos, que sustentaram o índice com uma alta leve, de 0,03%, aos 131.043,27 pontos. Nos Estados Unidos, houve fuga da bolsa de Nova York (Dow Jones -0,75%, S&P 500 -0,76% e Nasdaq -1,01%) para a segurança dos Treasuries longos.
Câmbio
Depois de um alívio temporário ontem, baseado em notícias de que o governo federal avalia medidas para conter o aumento das despesas, o dólar voltou a subir em relação ao real, conforme alguns detalhes sobre as potenciais medidas de controle de gastos vieram à tona e diante de fatores negativos para o real vindos do exterior – entre eles a queda significativa nos preços do petróleo e a possibilidade de a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos atrapalhar a queda dos juros americanos.
O dólar à vista subiu 1,33% e terminou o pregão a R$ 5,6570 – maior nível de fechamento desde 6 de agosto, quando encerrou a sessão a R$ 5,6574. No mercado futuro, o contrato da moeda para novembro tinha alta de 1,14%, a R$ 5,6610.
O Broadcast apurou que o governo avalia dois desenhos para as ações de revisão de gastos: um abrangente, envolvendo mais programas de um número maior de ministérios, e outro mais restrito, focado em ações que já são amplamente citadas pelo governo e que estão em curso, como o aumento da fiscalização no pagamento de benefícios sociais e previdenciários.
O problema, na visão dos especialistas, é que a questão fiscal brasileira necessariamente exige um plano abrangente de redução das despesas. “Há dois pacotes em estudo, mas um é absolutamente inútil, não atende a urgência de uma dívida crescente e explosiva”, disse Alexandre Mathias, estrategista-chefe da Monte Bravo.
“Não dá para atacar doença grave com paliativo. Essa ideia do pacote restrito é um paliativo. O mercado fica assustado, porque aparentemente nem mesmo a Fazenda tem o sentimento da urgência que a dinâmica da dívida exige”, acrescentou. “É decepcionante, a gente só poderia estar analisando um ajuste duro ou um duríssimo”, avaliou.
Gean Lima, estrategista e trader de juros e moedas da Connex Capital, apontou que há uma preocupação subjacente dos investidores com as despesas do governo que correm por fora do cálculo do resultado primário e que têm efeito sobre o endividamento público. Segundo ele, a questão fiscal está “muito longe de uma resolução” e isso dificulta a montagem de posições compradas em real.
“No câmbio, especificamente, tem muito risco para ambos os lados. A falta de clareza é muito grande. Alguns gestores estavam fazendo trades táticos tentando pegar a valorização do real, dado que vamos continuar a aumentar juros no Brasil e os Estados Unidos seguirão cortando. Mas a questão fiscal é muito forte. Não vejo nada de consistente, de curto e médio prazo. A gente está neutro”, acrescentou.
André Carvalho, diretor de portfólio da Acura Capital, acredita que o real está “muito desvalorizado” e poderá ganhar força “caso a questão fiscal tenha uma correta condução”. “No entanto, o cenário atual reforça a tese que poderemos ter no curto prazo uma maior desvalorização”, acrescentou.
Para a Monte Bravo, o cenário-base é de câmbio a R$ 5,20 por dólar no final deste ano, mas partindo da premissa de que os cortes de juros nos Estados Unidos continuarão em andamento e de que haverá um
ajuste fiscal crível, com déficit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). “No cenário alternativo, o fiscal falha e o câmbio dispara para R$ 5,70 a R$ 5,80”, acrescentou. “O câmbio vai caminhar para onde for o fiscal.”
Para além do fator doméstico, o dólar também encontrou força adicional no exterior. Os comentários de Trump em defesa do aumento das tarifas de importação nos Estados Unidos – medida de caráter inflacionário e que poderia reduzir a velocidade do corte de juros no país – também repercutiram no mercado de câmbio e deram força ao dólar no início da tarde. Carvalho, da Acura, ressalta que a desvalorização do real tem origem nas incertezas que existem no mercado, principalmente na evolução da política fiscal doméstica, mas que nas próximas semanas provavelmente haverá um aumento da volatilidade em função da proximidade das eleições presidenciais dos Estados Unidos.
“Também os atuais conflitos bélicos e sua evolução poderão colaborar”, acrescentou. Em menor grau, a queda de aproximadamente 4% nos preços do petróleo prejudicou tanto o real quanto moedas de economias emergentes ligadas a commodities. “A queda no preço das commodities afeta os superávits da balança comercial, mas vale lembrar que os superávits são historicamente elevados”, disse Carvalho.