Dinâmica benigna para ativos de risco
O curso de uma desinflação raramente é suave e linear. Nos EUA, depois de um último trimestre benigno em 2023, o núcleo do PCE – índice que o Federal Reserve (Fed) usa como alvo – ficou mais alto do que o esperado no primeiro trimestre de 2024. Ao mesmo tempo, a economia americana seguiu robusta, reforçando as preocupações com a convergência da inflação.
Após cair para uma média de 1,9% ao mês em termos anualizados no segundo semestre de 2023, o núcleo do PCE acelerou para uma média de 4,4% em termos anualizados no primeiro trimestre de 2024.
À medida que os dados frustraram a expectativa, o mercado revisou a trajetória dos juros. A revisão provocou um aumento nas taxas de juros dos títulos do governo dos EUA desde a virada do ano. O movimento fortaleceu o dólar norte-americano, derrubou os ativos de risco no mundo inteiro e foi magnificado pela divergência no ciclo em um momento em que a maioria dos países está desacelerando e antecipando os cortes de juros.
Se o núcleo do PCE retomar a tendência de desinflação conforme é esperado, o Fed terá espaço para cortar os juros no segundo semestre. No cenário que chamamos de “inflação convergente”, ao qual atribuímos 65% de probabilidade, e a economia dos EUA desacelera ao longo do segundo trimestre, o núcleo da inflação recuará para 2,5% em junho, o que permitirá ao Fed cortar os juros três vezes a partir de setembro. Com a inflação na trajetória da meta no próximo ano, o Fed seguirá cortando, levando os Fed Funds até 3,75% em 2025.
Diante da incerteza do cenário externo e interno, o Copom reduziu o ritmo dos cortes da Selic e nos obrigou a revisar a taxa Selic do final do ciclo para 10% a.a. Apesar do impacto que a turbulência global causa para a taxa de câmbio, o regime de metas de inflação sugere que o Copom reaja aos desvios da inflação em relação à meta – e não ao diferencial de juros externos.
É razoável vislumbrar um cenário de juros mais altos e dólar mais forte, mas por apenas alguns meses, pois a inflação em queda no segundo trimestre recriará a dinâmica favorável aos ativos de risco no segundo semestre.
Os Fed Funds somente chegaram à atual faixa – de 5,25% a 5,50% – em julho de 2023. Se considerarmos a defasagem de nove a 12 meses, seria esperado que os efeitos realmente apareçam de maneira mais clara ao longo do segundo semestre.
Além disso, analisando a abertura do núcleo do PCE, o entendimento é que a pressão nos últimos meses tem componentes transitórios que devem perder força, e o item habitação deve ter uma contribuição desinflacionária mais forte. A diferença entre os aluguéis de novos e antigos diminuiu, o que cria a perspectiva de que retornem ao ritmo pré-pandemia.
É possível fazer uma previsão de que a média mensal anualizada do núcleo do PCE retornará a 2,2% ao longo dos próximos trimestres, levando a taxa anual dos atuais 2,8% para perto de 2,5% a partir de meados do ano.
Se há razões para otimismo, é preciso reconhecer também que o risco de que a inflação permaneça resistente nos EUA subiu. O cenário alternativo, de inflação persistente nos EUA, teve sua chance elevada para 35%. Nesse cenário, a economia americana não desacelera e o núcleo da inflação se mantém em torno de 3%, o que impediria cortes em 2024 e deixaria as taxas de dez anos oscilando perto de 5% pelo restante do ano. Nesse caso, os ativos de risco – no Brasil e no mundo – teriam um desempenho bem menos positivo.
A variável crítica para saber qual cenário está se configurando será a trajetória do núcleo da inflação ao longo do trimestre e os dados de atividade e de emprego. Núcleo da inflação em queda sancionará o cenário-base, caso contrário, teremos um ambiente mais desafiador para a economia e para os ativos.
Alexandre Mathias: estrategista-chefe da Monte Bravo Corretora. Mestre em economia pela FGV-SP; graduado em economia pela Universidade São Paulo.
Artigo publicado no jornal O Tempo