Além da redução efetiva de gastos, investidores cobram também correções nas regras de indexação de despesas do governo; câmbio poderia recuar a até R$ 5,20 com medidas
A desconfiança em relação à real disposição do governo de enfrentar os problemas fiscais do País contagiou de vez o mercado financeiro. O dólar em alta, a elevação dos juros futuros e o desempenho errático da Bolsa de Valores dão a medida do ceticismo entre os agentes econômicos diante da promessa da equipe econômica de apresentar um pacote de cortes de gastos para equilibrar as contas públicas.
Essa desconfiança, no entanto, não é nova. Desde que o arcabouço fiscal foi apresentado, em 2023, economistas apontam que a nova regra depende excessivamente do aumento de receitas e, sem que haja uma contrapartida de contenção de despesas, dificilmente as metas de resultado primário serão cumpridas. O temor é de que esse descontrole aumente o nível de endividamento do País, pressionando a inflação.
Mas qual seria o pacote ideal, capaz de agradar os agentes econômicos, acalmando os ânimos no mercado? Não há uma resposta exata, mas de acordo com economistas ouvidos pelo E-Investidor, o pacote a ser apresentado teria eliminar gastos de ao menos R$ 50 bilhões, além de fazer correções em despesas obrigatórias e discricionárias.
Essa estimativa, de acordo com Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, resulta da seguinte conta: como o banco estima um déficit fiscal de R$ 110 bilhões em 2025, o cumprimento da meta de déficit zero estabelecida pelo arcabouço exigirá um esforço para conter a alta das despesas da ordem de 3% acima da inflação. A alternativa seria o aumento de impostos, ideia que esbarra em forte resistência no Congresso. “Uma contenção de gastos próxima de R$ 50 bilhões, se for bem embasada nas correções de irregularidades nas despesas obrigatórias e algumas limitações nas despesas discricionárias, pode ser bem recebida pelo mercado”, diz a economista.
Porém, apenas o corte de gastos não deve ser suficiente. Os especialistas são unânimes em afirmar que mais eficaz que revisar despesas seria o governo apresentar medidas mais estruturantes. Isso porque, se não mudar a base das despesas obrigatórias, um ajuste de contas pontual pode servir apenas no curto prazo.
INCLUSÃO DE DESPESAS. Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo, diz que uma medida importante nesse sentido seria incluir dentro da regra de limite para o aumento de despesas -de 2,5% ao ano mais a inflação do período – custos que hoje estão fora desse teto. “É preciso trazer para dentro da regra os gastos com Saúde e Educação, que hoje estão fora do teto, e colocar também uma regra de crescimento de benefícios sociais, outros programas que não estão historicamente limitados a 2,5% de crescimento ao ano, para que as principais despesas cresçam numa velocidade compatível com o teto. É isso que esperamos”, diz Costa, para quem um pacote “razoável” de cortes de gastos seria da ordem de R$ 60 a R$ 70 bilhões.
O entendimento é de que para assegurar superávits primários em uma janela maior de tempo, de 5 a 10 anos, é fundamental desindexar o Orçamento. “A Previdência Social hoje é indexada ao salário mínimo; os pisos da Saúde e Educação, indexados ao resultado primário do governo. Ao desindexar, é possível dar maior previsibilidade de que os gastos vão crescer, mas em uma velocidade menor. Para o longo prazo, isso é mais importante do que efetivamente só cortar gastos”, diz Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos.
TIMING. O anúncio das medidas para cortar gastos que o governo está preparando era inicialmente esperado para logo depois do segundo turno das eleições municipais, que aconteceram no último domingo. Até agora, porém, o governo parece não ter definido o que fará, nem quando. Porém, o cancelamento da viagem do ministro Fernando Haddad (Fazenda), que embarcaria hoje para a Europa (mais informações na pág. B5), pode ser um indício de que o governo finalmente percebeu a necessidade de agir.
O risco fiscal no foco das atenções do mercado não é algo recente. A questão está na mesa há tempos, mas agora ganhou um peso maior. Na sexta-feira, por exemplo, o dólar disparou 1,53%, fechando cotado a R$ 5,86, maior patamar desde maio de 2020. No ano, a moeda tem valorização de 20,9%. Há outros fatores pressionando o câmbio, como a eleição presidencial nos Estados Unidos e os conflitos no Oriente Médio, envolvendo Israel e Irã. Mas para os especialistas o cenário doméstico é o grande catalisador da alta recente do dólar.
Gabriela Joubert, estrategista-chefe do Inter, diz ainda que, dado o cenário mais claro com o início do ciclo de cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, e resultados corporativos ainda fortes por aqui, o anúncio de um pacote de corte de gastos pode destravar valor na Bolsa, ao mesmo tempo que os juros da renda fixa tendem a se normalizar. Essa também é a visão de Luciano Costa, da Monte Bravo. “Há mais fatores que determinam a taxa de câmbio, mas, sem dúvida, um pedaço do estresse hoje seria revertido”, diz Costa, que prevê um recuo a até R$ 5,20 da moeda com o pacote fiscal.
Despesas
Além da redução efetiva de gastos, analistas dizem ser necessário eliminar a indexação.
Reportagem publicada no Estadão, na versão impressa. Confira abaixo: