Segundo Alexandre Mathias, da corretora Monte Bravo, o Brasil está caminhando para um cenário de dominância fiscal.
Conversamos com Alexandre Mathias, estrategista-chefe da corretora Monte Bravo, sobre o atual momento econômico do país.
O que está acontecendo com as projeções da Selic para 2025? Diga-se de passagem, até as projeções para 2026 e 2027 estão aumentando.
Olhando especificamente esse período mais recente, de pouco mais de um mês, a explicação para a disparada das projeções de inflação e da Selic está diretamente associada à demora em se fazer o ajuste fiscal. É importante darmos um passo para trás para notarmos que o Brasil está em uma dinâmica de dívida explosiva.
Em 2022, a dívida encerrou em 71,7%, sendo que em 2024 o Brasil vai terminar o ano com ela rondando os 78,5%. Em 2025, as projeções indicam que ela vai para 83%, e em 2026, 87,5%. Ou seja, são praticamente 16 pontos de crescimento da relação Dívida/PIB.
Esse tipo de crescimento só é aceitável em uma guerra ou pandemia, mas o Brasil não está em guerra e nem tem uma pandemia. Pelo contrário, a economia e a arrecadação estão crescendo bem. O Brasil está em uma trajetória de dívida explosiva, e se não for feita alguma coisa, nós vamos para uma dominância fiscal e uma crise.
Nós não precisamos voltar muito no tempo para lembrarmos que isso aconteceu em 2013, 2014, quando tivemos um governo, do mesmo partido que está hoje no poder, que tentou fazer uma política fiscal expansionista ignorando a alta da inflação.
O resultado foi que a inflação, cuja meta era de 6,5% em 2015, foi para 10,7%, e o país teve uma recessão de 3,8%, a maior da sua história. Se tudo correr bem, talvez entre 2027 e 2029, o país volte a ter a mesma renda per capita que tinha em 2013.
Essa experiência de tentar crescer aumentando o gasto sempre deu errado no mundo inteiro. É desesperador que essa lição, vivida há 10 anos, não tenha sido aprendida pelas pessoas que estão agora no poder e que estão cometendo os mesmos erros.
Desde que o Gabriel Galípolo foi indicado para a presidência do Banco Central, ele entendeu essa situação e tem trabalhado, com muito afinco, para se diferenciar do Alexandre Tombini. Ele participou do processo de alta de juros como diretor, mas eu acho que nem ele imaginava que a dinâmica fiscal ia ser tão ruim e ia exigir uma alta ainda maior.
Nós tínhamos um cenário de aumento de 50 pontos, mudamos para 75, mas como o pacote que deveria ser de ajuste vai ser de desajuste, eu acho que tem que subir 100 pontos na próxima reunião e a Selic tem que ir para 15%.
Como, aparentemente, o governo vai jogar o país para a dominância fiscal, nesse ambiente é natural que o dólar e as expectativas da Selic disparem. Eu diria até que isso é saudável, pois pelo menos o mercado está vendo o Banco Central como um ente que está funcionando normalmente.
O país está sendo conduzido por uma combinação de políticas absolutamente fora de qualquer lógica, com uma política fiscal super expansionista que obriga o BC a fazer uma política monetária super contracionista. Como as expectativas estão desgovernadas e o pacote fiscal, que ao invés de ajustar, vai desacerbar o desajuste, nós vamos viver um período de um ou dois anos de crise.
Ao mesmo tempo em que as projeções da Selic estão sendo continuamente revistas para cima, as projeções do PIB também estão. O que explica isso?
Quando você aumenta o gasto, o primeiro efeito é um aumento da atividade. Foi isso o que vimos em 2024. Como o mercado subdimensionou o impacto dessa gastança, está havendo um crescimento melhor, mas quando olhamos a expectativa de crescimento para 2025, nós vemos que o PIB não está crescendo na mesma velocidade de 2024, sendo que para 2026, a expectativa está absolutamente parada.
Como estamos entrando em um ambiente de crise, eu acredito que vamos começar a ver uma redução da expectativa de crescimento para 2025, pois não há como crescer com o câmbio e a inflação fora de controle e juros de 15%. Para 2026, eu também acredito que as expectativas vão cair.
Não tenho dúvida de que a conduta fiscal irresponsável vai desequilibrar toda economia e vai gerar um crescimento menor. Como disse, o país teve a sua maior recessão na Dilma. Seria loucura esperar um resultado diferente repetindo as mesmas políticas.
Por que o Brasil precisa operar com juros reais tão altos para controlar a inflação?
Eu não tenho certeza se esses juros reais são tão altos. Se você estiver fazendo a conta Selic menos inflação, em outros países ela tem um certo valor, mas no Brasil, não, pois nós temos um monte de créditos direcionados, que têm juros muito menores, e um crescente volume de títulos isentos que tem uma taxa muito diferente. Então, eu não sei se a sua conta é verdadeira. Eu tenho a impressão que não.
Como a estrutura da economia brasileira tem muito crédito direcionado e com muita isenção, ela deixa um patrimônio muito menor do que realmente é afetado por 100% da Selic. Se você levar em consideração os créditos direcionados, você vai ver que a potência da política monetária é menor, já que ela não afeta a totalidade do crédito da economia.
Em cima disso, nós temos uma política fiscal muito expansionista, que faz com que a taxa de equilíbrio suba. Quem toma dinheiro emprestado no Brasil, através de linhas que são afetadas pela taxa Selic, está sendo esmagado pelo crédito direcionado e pela conduta fiscal.
A inflação está fora de controle?
Não, a inflação não está fora de controle, mas pode ficar. Nós costumamos dizer que a inflação é uma doença insidiosa. No Brasil, em especial, onde os mecanismos de indexação são muito amplos, nós temos que tomar muito cuidado com o tipo de choque que é produzido.
Se olharmos os gráficos do Focus, praticamente tudo de ruim que vamos encontrar está associado a abril de 2024. Isso porque em meados desse mês, o governo anunciou a mudança na meta fiscal. O arcabouço fiscal, que havia sido apresentado pelo governo em abril de 2023 e que havia sido aprovado pelo Congresso em agosto do mesmo ano, provocou uma enorme reversão das expectativas, mas quando o governo viu que seria difícil cumprir as suas metas, decidiu flexibilizá-las em abril. Isso fez com que as expectativas de inflação e câmbio disparassem.
Em abril, a Treasury estava acima de 5,50 e o câmbio resistindo em 5,30. Hoje, a Treasury está abaixo de 5,50 e o câmbio já bateu 6. Foi o que aconteceu no Brasil que causou toda essa desgraça. A credibilidade fiscal, já enfraquecida, vai piorar com esse pacote fiscal, pois ao invés do governo caminhar na direção do ajuste, ele prefere implementar medidas que tem cunho populista-eleitoral e que atrapalham o ajuste.
A inflação não está fora de controle, mas a foto hoje é de uma inflação alta em ascensão, mas o BC já está atuando nisso. Contudo, na medida em que o desequilíbrio fiscal se acentua e o câmbio sobe, isso vai ter efeito inflacionário.
Olhando para o câmbio, até maio ele estava na faixa de 5,10, 5,20, mas saltou para a faixa de 5,60, 5,80. Na economia real, quando o câmbio sobe, todo mundo fica se perguntando se esse movimento é permanente ou temporário.
Até o mês passado, nós achávamos que esse movimento seria temporário, já que o pacote fiscal estava para vir e o presidente Lula, durante a campanha, havia assumido a promessa de que não gastaria mais do que arrecadasse, mas, aparentemente, ele resolveu não cumprir essa promessa.
O atual governo começou ampliando o déficit e não vai ter sequer um ano com equilíbrio orçamentário, gastando, durante um mandato inteiro, mais do que arrecada. Isso com uma dívida gigante que possui um custo enorme e uma dinâmica explosiva.
O risco e o câmbio estão subindo. Quando os agentes econômicos perceberem que esse câmbio veio para ficar, nós teremos uma rodada de inflação decorrente do aumento do câmbio. Com isso, os preços vão subir, e como a economia brasileira é muito indexada, a inflação vai subir de novo. Cabe ressaltar que o Brasil sabe produzir inflação.
Em vez de termos um choque para reorganizar a economia, por o fiscal no lugar, derrubar o câmbio e recuperar a credibilidade, o que permitira ao BC subir menos os juros e criaria um caminho econômico sereno para 2025 e 2026, o governo, aparentemente, resolveu dobrar a aposta no gasto e acentuar o desequilíbrio, o que vai criar um cenário econômico de crise, onde a inflação pode continuar subindo.
O meu cenário pessimista, o famoso 7×1, tinha 5% de chance de acontecer. Nesse cenário, nós temos 7 de câmbio, 7 de inflação e 1 de crescimento. Se for confirmada a ideia de que esse pacote não vai fazer ajuste, já que ele pode fazer R$ 50 bilhões ou 60 bilhões de ajuste, mas colocar R$ 100 bilhões de custo, ele vai aumentar o desequilíbrio. Com isso, nós vamos para um cenário de crise, e aí a inflação vai sair de controle.
Qual a mensagem que a atual taxa de câmbio está enviando?
O Brasil está com a política fiscal completamente equivocada e o risco é muito alto.
O que acontece em um cenário de dominância fiscal?
Antes de responder a sua pergunta, eu gostaria de dar um passo atrás. No debate político, muitas vezes o presidente tem falado que vai derrotar a Faria Lima, pois o mercado financeiro está exigindo isso ou aquilo. Eu compreendo isso como uma alegoria, mas nada poderia ser mais distante da verdade.
É preciso entender que o mercado financeiro não é uma entidade, que possui um pensamento mágico, ou uma ONG (Organização Não Governamental). Ele é um local onde ocorrem trocas. O mercado financeiro só se materializa quando tem alguém comprando e alguém vendendo.
Não é preciso ser um especialista em economia para entender isso, e talvez até as crianças entendam, mas quem compra acha que vai subir e quem vende acha que vai cair. É isso que estabelece os preços.
Assim, ninguém precisa derrotar o mercado financeiro, pois todo dia alguém ganha e alguém perde nele. O ponto é que quem perdeu até agora foi quem apostou na responsabilidade fiscal e acreditou no compromisso de que o governo não ia gastar mais do que arrecadasse, que o câmbio ia cair e que a inflação ia ficar sob controle. A turma, que estava otimista, perdeu dinheiro.
A conduta mais irresponsável só premiou quem apostou que o governo ia ter essa conduta. Eu digo isso, pois fico incomodado quando se personifica o mercado como tendo algum tipo de desejo.
Voltando a sua pergunta, a dominância fiscal acontece como uma consequência das decisões de política econômica. Se nós temos uma dívida que está dando um salto gigantesco, um governo que não quer fazer ajuste e uma inflação que está subindo, o BC tem que reagir, mas a medida em que o BC age, isso piora a dinâmica da dívida, pois como o Brasil já não faz superávit primário, o aumento dos juros faz o custo da dívida aumentar em cima de um déficit primário, ampliando o seu déficit nominal pelo custo de financiamento da dívida.
Em algum momento, nós entramos em um paradoxo em que o que precisa ser feito para controlar a inflação acaba desestabilizando a dívida e impactando o câmbio, que sobe e gera mais inflação. Nós vivemos um pouco disso no período final da Dilma.
Eu acredito que ainda não entramos nisso, mas à medida que o ajuste fiscal não é feito e a inflação sobe, o BC vai ter que reagir com mais força, e esse risco, que era distante, fica mais próximo. Nós estamos trilhando o caminho que a Dilma e a Argentina trilharam, com aumento de gasto e aposta no populismo. A conta vai vir depois, mas, nesse caso, eu acho que vai vir rápido.
O Brasil já possui uma dívida alta e o mercado está vigilante. Não foi o mercado que fez a dívida, mas ele fala que quem tem esse tipo de dívida não pode fazer déficit. O mercado não tem ideologia. Ele só tenta ganhar dinheiro.
Se a dívida não for endereçada, se não houver uma trajetória sustentável para a dívida, se continuarmos fazendo déficits primários muito maiores do que o compromisso que está no arcabouço, o risco, o dólar, a inflação e os juros vão subir. Com isso, o desemprego vai aumentar e o crescimento e a popularidade do governo vão cair. Nós estamos entrando nesse cenário.
Eu não consigo entender o motivo pelo qual o presidente optou por apresentar tudo ao mesmo tempo. Ele não resolveu um problema e criou outro, o que é uma dinâmica muito ruim. Como o dólar e os juros estão subindo, isso mostra que tem alguma coisa muito errada acontecendo. Não está sendo um bom ano. Vamos lembrar que o câmbio era 4,70.
Considerando a conversa que tivemos, vocês gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Na economia, se você faz a coisa certa, dá certo, mas se você faz a coisa errada, dá errado. Não importa se você é corintiano ou palmerense, de esquerda ou de direita. Não existe um país na história da humanidade, desde que o homem é homem, que tenha conseguido crescer, redistribuir renda e melhorar a condição de vida dos mais pobres sem ter uma situação fiscal saudável. Isso simplesmente não existe.
Toda tentativa de crescer e distribuir renda às custas de desequilíbrio fiscal, virou uma crise. Repito: a estratégia da Dilma, e é o mesmo partido que está no poder, de aumentar o gasto e deixar a inflação subir, produziu a maior recessão da história desse país. Como disse, a renda per capita de 2013 só vai ser alcançada em 2027 ou 2028, isso se tudo correr bem.
Isso nos dá uma dimensão do custo social, em especial para as pessoas mais pobres, do fato de que a renda per capita do Brasil ainda está abaixo do que estava em 2013 por causa da conduta fiscal responsável. Deveria ser uma advertência, uma lição para todo mundo olhar, recordar e falar, “eu não vou trilhar esse caminho”, mas, aparentemente, nós vamos ter que errar de novo para aprender.
Entrevista publicada no portal Monitor Mercantil