Reforma tributária e autonomia do BC - Monte Bravo

Reforma tributária e autonomia do BC

19/08/2024 às 11:22

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Reforma tributária e autonomia do BC

Reforma tributária e autonomia do BC: principais pautas econômicas que tramitam no Congresso podem beneficiar cenário; já dívida dos estados pode ser pedra no sapato da União

Apesar de a economia brasileira ter crescido quase 3% em 2023, e de o governo esperar uma alta também consistente de 2,5% neste ano, o cenário macro do país ainda é marcado por outros elementos que geram incertezas.

De um lado, um sistema tributário visto como confuso – com impostos cobrados em cascata no ponto de origem da compra – e tensões entre o Executivo e o órgão responsável pela regulação do sistema financeiro – o Banco Central (BC) – trazem insegurança sobre o ambiente do país.

Por outro, a situação das contas públicas e da elevada dívida dos estados coloca luz sobre problemas fiscais que impactam negativamente a saúde econômica do Brasil.

Hoje, alguns dos principais projetos de caráter econômico em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado visam mudar esse cenário.

Economistas ouvidos pela CNN apontam que alguns deles devem melhorar a imagem do país, otimizando o ambiente de negócios e até atraindo investimentos.

Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo, reforça que podemos, sim, esperar por um ambiente de crescimento melhor e que vai atrair capital externo. Movimento esse, que segundo ele, já pode ser observado.

Como efeito prático, ele ressalta a retomada da alta dos investimentos diretos no país.

“Isso é bom para a economia como um todo, traz mais crescimento, mais produtividade e provavelmente, nos torna um país que acaba escapando dessa armadilha da renda média baixa, que é onde o Brasil está agora”.

Reforma tributária

Em julho, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto principal da regulamentação da reforma tributária, que define as regras de aplicação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – substituindo o tributo estadual ICMS e o municipal ISS – e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que entra no lugar do federal PIS/Cofins.

Também foram definidos os casos em que será aplicado o Imposto Seletivo (IS), o chamado “Imposto do Pecado” – que substitui o IPI.

Na votação, a Câmara aprovou um sistema que trava a alíquota geral do IVA em 26,5%, com objetivo de mitigar o impacto das exceções e regimes especiais.

Do ponto de vista econômico, o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, avalia o projeto como “uma revolução” ao padronizar a alíquota cobrada pelas unidades da federação e estabelecer a cobrança na ponta final, acabando com a chamada guerra fiscal.

Hoje, com a cobrança do imposto sendo realizada no ponto de origem da compra – ou seja, no lugar onde o vendedor está instalado – muitos estados buscam oferecer subsídios para atrair empresas a produzirem em seus territórios.

“Invés da bagunça de hoje, será uniforme no nacional, com a mesma alíquota sendo aplicada em todos os lugares. A reforma tributária põe um fim ao caos que caracteriza o sistema tributário no Brasil. Essa bagunça é negativa para a economia. Aumenta o custo para as empresas, reduz a competitividade das exportações e gera incerteza jurídica”, explica o ex-ministro.

Nóbrega indica que as mudanças têm o potencial de alavancar a produtividade do país, contribuindo com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Ao aplicar o IVA, o Brasil se moderniza e se aproxima dos sistemas tributários de outras economias, o que é positivo para quem olha o país de fora, segundo Antonio Corrêa de Lacerda, professor de economia da PUC-SP e ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon).

 outro projeto de regulamentação da reforma tributária se trata da definição do Comitê Gestor. Aprovado na terça-feira (13) pela Câmara, o texto-base define as regras do colegiado que administrará o IBS.

“O Comitê Gestor é uma das grandes inovações desse projeto. Em uma federação tão complexa como a brasileira, você admitir a estrutura atual, em que cada ente tem a sua propria distribuição, isso não daria certo”, afirma Maílson da Nóbrega.

“O comitê faz o papel que os bancos fazem hoje. Nós pagamos o imposto no banco e ele transfere para o ente. O comitê não tem poder de interferência e não pode privilegiar um ente em detrimento de outro. Ele tem poder de interpretação de norma, o que é bom para o funcionamento do sistema”, conclui o ex-ministro.

Contudo, os economistas consultados pela CNN entram em consenso sobre um ponto negativo do projeto: a alta quantidade de exceções e regimes especiais, que devem pesar no aumento da alíquota para alguns setores, afim de compensar a arrecadação.

Autonomia do BC

Outra matéria acompanhada de perto é a proposta de emenda constitucional (PEC) da autonomia do BC. Além de constitucionalizar a autonomia operacional da autarquia – sancionada em lei de 2021 -, o projeto define a autonomia orçamentária da instituição.

Desse modo, convertido em empresa pública, o BC poderá definir seu próprio orçamento a partir de suas receitas, sem depender de definições por parte da União.

Assim como a reforma tributária, a autonomia do BC moderniza o nosso sistema e nos aproxima do padrão adotado internacionalmente, segundo Luciano Costa.

“[A PEC da autonomia do BC traz] o Brasil para uma legislação mais moderna. Isso vai ser bom para o mercado, que verá isso com bons olhos. Principalmente o investidor estrangeiro, porque ele vai perceber o Brasil dando mais um passo para a institucionalização baseada numa lógica moderna e que outros países”, afirma o economista-chefe da Monte Bravo.

A questão da autonomia do BC, como um todo, visa trazer previsibilidade para a autarquia, limitando intervenções políticas e permitindo que ela seja mais transparente com o mercado. Mas ao poder definir seu orçamento, o BC também otimizaria a gerência e garantia de realizar seu trabalho.

“Grande parte dos gastos primários da União estão pré-definidos [despesas obrigatórias], e é cada vez mais difícil colocar espaço para investimentos. Com essa rigidez orçamentária, há cada vez mais dificuldade para definir [o orçamento do BC]”, explica Maílson da Nóbrega.

“[Com autonomia orçamentária] se tem a segurança de que um órgão como o BC vai seguir cumprindo seu papel de supervisionar o sistema financeiro e estabilizar a moeda. O BC tem que estar equiparado com as últimas tecnologias, e não pode ficar sujeito às restrições da rigidez orçamentária que há no Brasil. Ele perde sua função se faltar orçamento”, conclui o ex-ministro da Fazenda.

Compensação à desoneração da folha

Apesar de não estarem diretamente ligadas com o funcionamento do ambiente de negócios brasileiros, as pautas de caráter fiscal impactam na saúde da economia do país.

E uma das principais questões que o governo bate na tecla hoje é a da compensação à desoneração da folha de pagamentos.

O Congresso aprovou a prorrogação das renúncias concedidas a 17 setores da economia no final do ano passado, vigorando até 2027. O governo tentou barrar a medida, mas teve seu veto derrubado.

Desde então há um vai e volta de projetos entre o Executivo e o Legislativo buscando compensar as renúncias. Em maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, havia determinado que, em dois meses, o governo e o Congresso chegassem a um acordo.

O prazo se encerrava em 19 de julho, mas foi estendido até 11 de setembro pelo ministro do STF Edson Fachin.

Em julho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o impacto da desoneração da folha de pagamento deve ser de R$ 17 bilhões a R$ 18 bilhões em 2024, com previsão de redução no ano que vem.

A pasta afirma que as medidas de compensação apresentadas pelo Senado podem não ser suficientes para bancar o rombo.

Na terça-feira (13), Haddad apontou que foi firmado um acordo para votar as propostas do Senado, de modo a não travar o andamento da agenda. Contudo, o ministro indicou que as medidas seriam revistas caso a previsão da Fazenda se concretizar.

“Caso contrário, a gente volta pra mesa até o final do ano pra resolver o problema da compensação”, afirmou.

Entre as medidas debatidas hoje estão:

  • Aumento da alíquota dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) de 15% para 20%;
  • “Desenrola” das multas cobradas pelas agências reguladoras;
  • Repatriação de ativos no exterior;
  • Permitir que pessoas físicas possam atualizar os valores de imóveis já informados à Receita Federal para o valor de mercado, de modo a tributar a diferença com uma alíquota de 4% do IR;
  • Simplificar a transferência de depósitos judiciais para o Tesouro;
  • Resgate de depósitos judiciais esquecidos;
  • Delegação da cobrança do Imposto Territorial Rural (ITR) aos municípios;
  • Combate à fraudes, de modo a fortalecer o chamado pente-fino de benefícios.

A princípio, Luciano Costa aponta como positivo o andamento da compensação, uma vez que está se buscando endereçar um problema de saúde fiscal do país.

“Com relação à desoneração, a gente também vê a discussão no sentido correto. Obviamente a gente pode discutir se as medidas realmente têm o potencial de arrecadação que o governo está esperando. Mas têm que são importantes”, diz o economista-chefe da Monte Bravo.

“Então, ela também está no sentido correto, acho que dentro dessa agenda [de melhorar o ambiente econômico] é uma medida também favorável”.

Contudo, ele aponta que a questão fiscal é hoje um “copo meio cheio, meio vazio” por conta do projeto de renegociação da dívida dos estados.

Renegociação da dívida dos estados

Aprovado pelo Senado na quarta-feira (14), o projeto de renegociação institui o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), que visa revisar os mais de R$ 740 bilhões em dívidas das unidades federativas.

Antonio Lacerda, da PUC-SP, e Paulo Duarte, da Valor Investimentos, veem o projeto como positivo. Para Duarte, a renegociação da dívida é necessária para desafogar e a capacidade de investimento de alguns entes federativos.

“A motriz estadual é muito importante para o crescimento. Favorece o ambiente econômico de forma geral, tanto por ter uma questão definitiva para o orçamento estadual e federal, dando maior previsibilidade, quanto liberar o orçamento dos estados e da união para fazer investimento nessas regiões”, aponta Duarte.

O problema do projeto, e um dos principais pontos que foi discutido nele, é o dos juros. Hoje, as taxas são de 4% mais o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – a inflação oficial do país – ou a Selic, atualmente em 10,5% ao ano.

O texto aprovado muda o cálculo para que o pagamento seja feito corrigido pelo IPCA mais uma taxa que varia entre 2% a 4%, a depender do contrato. Porém, os juros poderão ser compensados por meio das seguintes alternativas:

  • Transferência de valores em moeda corrente;
  • Transferência de participações societárias em empresas estaduais;
  • Transferência de bens móveis ou imóveis;
  • Cessão de créditos líquidos e certos com o setor privado;
  • Outros ativos acordados entre as partes.

Para Maílson da Nóbrega, o problema já começa no momento em que o Senado entrou no meio da negociação da dívida entre o credor e o devedor, mas que a situação se agrava no que ele chama de “caso típico de risco moral”.

“O projeto é cheio de defeitos. Ele impõem um custo à União e estimula os estados a gastarem para ter uma redução na taxa. Isso vai consagrar a percepção de que estado não precisa pagar, de que alguém vai resolver meu problema. O devedor vai ganhar [com esse projeto]”, conclui o ex-ministro da Fazenda.

Beto Saadia reforça que, da maneira como foi aprovado, o projeto de renegociação “é uma vitória dos estados”, que vão ter um custo de dívida menor.

“Isso [a compensação de juros] serve como mais folga financeira para os estados continuarem gastando. É mais impulso fiscal que acaba pressionando ainda mais a nossa economia, gerando mais inflação”, aponta o economista e sócio da Nomos.

O resultado final disso: um aumento de custo para a própria União, que vai acabar aumentando a dívida pública, diz Luciano Costa.

Para ele, essas compensações acabam sendo como um “perdão de dívidas”, ao diminui o custo líquido que já está implícito na dívida pública, ou seja, na emissão que foi feita para fazer a renegociação da dívida dos estados.

“Para a economia como um todo, era melhor o projeto original, os pagamentos acontecerem no custo que foi acordado lá atrás, por uma questão de recorrer a ter que fazer mais emissão de dívida para financiar esse recebimento menor lá na frente”, conclui o economista-chefe da Monte Bravo.

Confira a reportagem na íntegra publicada no portal de notícias CNN.

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